segunda-feira, novembro 19, 2007

Há um poema do qual eu gosto muito...

Há um poema que eu gosto muito... É um poema que tem uma história. Aliás, acredito que este ou qualquer outro poema tenha uma história diferente para cada pessoa que o lê. Este lembra-me muitas conversas ouvidas de esgelha durante a infância, muitas fotos pequeninas, a preto e branco, com o rebordo recortado. Lembra-me também o aniversário em que vi este poema escrito nas paredes da casa de Angola.
Porque as boas recordações são para serem revividas.

Carta De Um Contratado

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kiesa
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...
Eu queria escrever-te uma carta...

Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu-Oh!Desespero-não sei escrever também!


Informação acerca do autor (tirada da Wikipedia): (já agora, acho uma vergonha só terem isto acerca deste poeta...)
António Jacinto do Amaral Martins (Luanda, 28 de setembro de 1924 — Lisboa, 23 de Junho de 1991) foi um poeta angolano.
Jacinto ganhou conhecimento com sua poesia de protesto, e devido à sua militância política, foi exilado no Campo de Concentração de
Tarrafal, em Cabo Verde, no período de 1960 a 1972. Voltou para Angola em 1973, e se juntou ao MPLA - Movimento Popular de Libertação da Angola. Com a independência do país frente à colonização portuguesa em 1975, António foi nomeado Ministro da Educação e Cultura, cargo que ocupou até o ano de 1978.

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